Os Princípios Islâmicos Relativos ao Lícito e ao Ilícito – 2

1. A Base das Coisas é a Permissibilidade

2. O Tornar Lícito e o Proibir São Prerrogativas Exclusivas de Allah

3. Proibir o Lícito e Permitir o Ilícito é o Mesmo que Cometer Politeísmo

4. A Proibição de Certas Coisas se Deve a Serem Elas Impuras e Prejudiciais

5. O que é Lícito é Suficiente, enquanto que o que Ilícito é Supérfluo

6. Aquilo que Conduz ao Ilícito é também Ilícito

7. Considerar o Ilícito como sendo Lícito é Proibido

8. As Boas Intenções não Justificam a Prática do Ilícito

9. Aquilo que for Duvidoso deve ser Evitado

10. O Ilícito é Proibido a Todos por Igual

11. A Necessidade Estabelece Exceções

2. O Tornar Lícito e o Proibir são Prerrogativas Exclusivas de Allah

O segundo princípio é o de que o Islam restringiu a autoridade de legislar sobre o lícito e o ilícito, tirando-o da alçada dos seres humanos, independente da posição de religiosa ou mundana deles, e reservando-a para o Senhor dos seres humanos exclusivamente. Nem os rabinos, reis ou sultões tem o direito de proibir algo de maneira permanente aos servos de Allah: se alguém fizer isso, ele o faz excedendo certamente os limites e usurpando a soberania que, no que diz respeito ao legislar para o povo, pertence tão somente a Allah.

“Ou têm eles parceiros que legislaram para eles o que, da religião, Allah não permitiu?” Surat Ash-Shura, 42:21

“Tomam seus rabinos e seus monges por senhores, além de Allah,e assim também, ao Messias, filho de Maria. E não se lhes ordenou senão adorarem um Deus Único. Não existe deus senão Ele, acima do que idolatram.” Surat At-Tawbah, 9:31

O alcorão censurou durante a época dos Povos do Livro, quer dizer, os cristãos e os judeus, por cederem o poder de tornar lícito e ilícito nas mãos dos seus rabinos e sacerdotes.

‘Adi Bin Hatim, que fora cristão antes de se converter ao Islam, certa vez aproximou-se do Profeta, quando o ouviu recitar o versículo acima e disse: “Ó Mensageiro de Allah, mas eles não o veneram.” O Profeta respondeu:

“Sim, mas eles proíbem ao povo aquilo que lícito e permitem o que é ilícito, e o povo os obedece. Essa é na realidade a forma em que os reverenciam.”

Os cristãos ainda alegam que Jesus, antes de ascender aos céus, investiu seus apóstolos de autoridade para determinar conforme lhes aprouvesse o que era lícito e era ilícito, como consta em Mateus 18:18:

“E vos digo isto: aquilo que proibirdes na terra será proibido nos céus, e o que permitirdes na terra será permitido nos céus.”

O Alcorão censurou também aos politeístas por legislarem e proibirem coisas sem qualquer autoridade de Allah:

Dize: “Vistes o que Allah criou para vós, de sustento, e disso fazeis algo ilícito ou lícito?” Dize: “Allah vo-lo permitiu, ou forjais mentiras acerca de Allah?” Suratu Yunus, 10:59

E não digais, por alegação mentirosa de vossas línguas: “Isto é lícito e isto é ilícito”, para forjardes a mentira acerca de Allah. Por certo, os que forjam mentira acerca de Allah não são bem aventurados. Surat An-Nahl, 16:116

Desses versículos explícitos do Alcorão e das claras Tradições do Profeta, os juristas deduziram com certeza que é somente Allah Quem tem a prerrogativa de tornar alguma coisa lícita ou ilícita, quer seja através do Seu Livro ou por intermédio da língua de Seu Mensageiro. A responsabilidade do jurista não vai além de explicar o que Allah decretou como sendo lícito ou ilícito: “Ele vos aclarou o que vos é proibido.” (Suratu Al-An’am, 6:119). Não cabe a eles de forma alguma decidir sobre o que deve ser permitido e o que deve ser proibido aos seres humanos. Assim sendo, os juristas mais eminentes, apesar da erudição e habilidade de dedução por analogia deles (ijtihad), esquivam-se de pronunciar pareceres relativos e assuntos lícitos e ilícitos, passando o problema de um para outro por temor de cometer o erro de declarar lícito o que na realidade é ilícito, e vice-versa.

Em seu livro Al-Umm, o Imam Chafi’i narrou que Abu Yussuf, companheiro de Abu Hanifa e um dos juízes-mestres (Cadi) disse:

Sei que nossos mestres sábios evitaram dizer ‘Isto é lícito e aquilo é ilícito’, a não ser quando encontravam claramente definido sem que fosse necessário interpretar o Livro de Allah. Foi-nos dito por Ibn As-Saeb que Ar-Rabi’ Ibn Khayçam, um dos mais honrados muçulmanos da segunda geração, disse: “Cuidem para que nenhum de vocês diga: Allah fez isto ilícito ou o aprova, porque Allah dirá que não tornara aquilo ilícito nem o aprovara; que não digam ‘Allah proibiu isto’, porque Ele então dirá: ‘Mentem! Eu não proibi isto nem desaprovei.’ Alguns companheiros de Ibrahim An-Nakh’i, um célebre jurista de Kufa entre a segunda geração de muçulmanos, nos disseram de que ele teria mencionado a colegas seus que teriam dito, ao emitir um parecer sobre algum assunto: “Isto não é aprovado” ou “não há mal nisto”, ao invés de “Isto é ilícito”, pois os termos haram e halal são de importância muito grande”.

Isto é o que Abu Yussuf nos relatou a respeito dos nossos zelozos antepassados e o que Chafi’i citou dele em conformidade com a sua posição. Do mesmo Ibn Muflih relatou que o célebre erudito Ibn Taimiya teria dito que os juristas dos dias primordiais do Islam não classificavam nada de ilícito a não ser que soubessem definitivamente que o era.

#Esta prática é respaldada pelo fato de que os Companheiros não tinham deixado de beber bebidas alcoólicas depois da revelação dos versículos alcorânicos: “Perguntam-te pelo vinho e pelo jogo de azar. Dize: ‘Há em ambos grande pecado e benefício para os homens’. 2:219, uma vez que este versículo não proibiu categoricamente o consumo de bebidas alcoólicas até a revelação dos versículos da 5ª surata (93-94) (90-91) #

No mesmo espírito, o grande Imam Ahmad Ibn Hambal, sempre que perguntado a respeito, dizia: “Eu não aprovo isto”, ou então “isto não me agrada” ou “ não gosto disto” ou “não prefiro isto”. Relatos parecidos são contados a respeito de Málik, Abu Hanifa e todos os outros Imames.

#Aí está uma lição para os seguidores de Imames que usam a palavra “haram” com excessiva liberdade, sem terem uma prova ou ao menos uma aparência de autenticidade.#

Por: Dr. Youssef Al-Karadhawi/ Tradução: Samir El Hayek